quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Lei tenta enxugar canais de lavagem de dinheiro no Brasil


Legislação mais rígida amplia as armas à disposição das autoridades para combater a lavagem de dinheiro, no País, atividade que movimenta cerca de 2% do PIB global

O combate à lavagem de dinheiro no Brasil ganhará, até o começo de 2013, mais armas e vigilância pesada sobre canais vistos como emergentes para a infiltração do delito. Mas reações de segmentos que passam a ter de comunicar sobre qualquer suspeita do crime antecipam alguns percalços pelo caminho.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) deve publicar em dezembro novas resoluções para os ramos da economia que foram incluídos na estratégia para desmantelar a grande lavanderia de dinheiro de fonte ilegal. Desde julho, está em vigor a Lei 12.683, que levou seis anos para ser votada pelo Congresso Nacional e atualizou a primeira legislação na área, de 1998. Pelo menos sete segmentos e suas variações, desde consultorias e auditorias, factorings, lotéricas e até comércio de joias e assessoria a atletas e eventos devem avisar sobre clientes com movimentações consideradas suspeitas.
Não há uma estatística de quanto este aparelho a serviço de criminosos movimenta, mas a estimativa mundial é de um fluxo de US$ 500 bilhões anuais, ou 2% do Produto Interno Bruto (PIB) global, o equivalente a mais de quatro vezes o PIB brasileiro. Uma cifra que parece contrariar o surrado ditado popular: o crime compensa, e muito. O Coaf, que aplica regras a setores não regulados, avalia novos procedimentos sobre como devem ser prestadas informações em negócios como venda de aviões executivos, carros de luxo, iates, obras de arte, antiguidades e animais para genética. A lista é maior.
O presidente do órgão, Antonio Augusto Rodrigues, pretende fazer algo inédito, como sua equipe (que soma apenas 40 servidores posicionados em Brasília) visitar pessoalmente empresas e profissionais obrigados agora a avisar sobre eventual suspeita de operação de lavagem. “Vamos fazer proposta de novas resoluções e depois submeter à consulta pública. Não adianta tirar o corpo fora”, previne Rodrigues, que costuma traduzir de forma singela o que deveria ser conduta óbvia. “Queremos proteger os setores para que estejam atentos e não sejam usados. É preciso conhecer o cliente.” E a linha mais dura não para. Outra ação será aplicar multa, que pode chegar a R$ 20 milhões - mais uma inovação da lei -, a quem não responder a pedidos de explicações. “Se tenho de fazer o papel de supervisão, devo ter poderes. Antes, não tinha ferramentas”, justifica Rodrigues.
Dono de uma galeria de arte contemporânea em Porto Alegre, Nicholas Bublitz espera as novas orientações para se ajustar, mas avalia que a legislação é redundante. Bublitz lembra que havia a obrigatoriedade de informar vendas acima de R$ 10 mil e principalmente quando envolve dinheiro em espécie. “Mas 99% das minhas vendas são até R$ 5 mil, raras ultrapassam R$ 10 mil. Os valores aqui são muitos mais baixos do que em mercados como São Paulo e Rio de Janeiro”, explica Bublitz. “Mas ficaremos alerta e vamos ajudar o governo se houver qualquer suspeita.”
A compra e venda de exemplares de raça para propriedades rurais já foi flagrada com negociações que sugeriram superavaliação. Um dos diretores da Trajano Silva, tradicional neste setor no Estado, Marcelo Silva, garante que a atuação local preserva a legalidade, e tudo é transacionado com notas fiscais, o que é facilmente monitorado pelo fisco. “Coloco minha mão no fogo pelos colegas leiloeiros e produtores gaúchos. Só se for empresa que começou ontem e fica atrás do toco”, ilustra Silva, em linguajar campeiro. O diretor da Trajano admite, porém, que é difícil de identificar a origem do dinheiro do comprador. “Não tenho com saber, a menos que venha com bolsa de dinheiro, o que seria suspeito.”
Na mira da fiscalização
Setores que têm obrigação de informar movimentação ou atos suspeitos:
  • Bolsas de valores, de mercadorias ou futuros e sistemas de negociação do mercado de balcão organizado.
  • Pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividade de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis.
  • Pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a venda ou exerçam atividades que envolvam grande volume de dinheiro em espécie. 
  • Juntas comerciais e registros públicos.
  • Profissionais que prestam serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência nas operações: compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais e industriais ou participações societárias; gestão de fundos, valores imobiliários e outros ativos; abertura ou gestão de contas bancárias e outras aplicações; criação, exploração de sociedades como fundações, fundos fiduciários ou outros; financeiras; e alienação ou aquisição de direitos sobre contratos ligados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.
  • Pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições e similares.    
  • Pessoas físicas ou empresas que vendam bens de alto valor de origem animal ou rural.
Os três passos para branquear o dinheiro “sujo”:
  1. Colocação do dinheiro no sistema econômico para ocultar a origem. O criminoso procura movimentar os valores em países com regras mais permissivas ou com sistema financeiro liberal. A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para dificultar a identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o fracionamento dos valores que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie.
  2. Ocultação: consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas – preferencialmente, em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas “fantasmas”.
  3. Integração: os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico. As organizações criminosas buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestarem serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal.

Setores querem derrubar exigência no Supremo

Entidades ligadas a profissionais liberais e conselhos de regulamentação e fiscalização já ingressaram ou ameaçam entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o dispositivo da lei que obriga relatar eventual foco para branquear o dinheiro. A intenção é proteger o chamado sigilo das informações. O rol de questionamentos também deve atingir a exclusão de crime antecedente. A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) move uma Adin desde agosto, um mês após a sanção da lei pela presidente Dilma Rousseff.
A análise da medida da CNPL caberá ao ministro Celso de Mello. A apreciação da corte suprema é uma incógnita, pois as 23 condenações de mensaleiros por lavagem de dinheiro, no recente julgamento do mensalão, são usadas como estandartes pelas autoridades que buscam cercar os potenciais fluxos da irregularidade. O advogado da entidade Amadeo Garrido aposta no sucesso da investida e motiva mais organizações regionais a seguir o exemplo. “A lei criou uma saia justa. Como fazer isso sem poder dizer ao cliente? Viramos delatores”, argumenta Garrido, que insere a ameaça ao sigilo de dados. A CNPL estima que 10 milhões de profissionais atuem no segmento liberal, entre contadores, engenheiros, advogados e economistas. A ação pede liminar para suspender a obrigação o quanto antes, evitando, segundo o assessor, eventual prejuízo na relação com o contratante, já que o STF tem 2 mil processos para julgar. “Fico até triste diante da reação de tirar o corpo fora sem antes entender do que está se falando”, criticou o presidente do Coaf, Antonio Augusto Rodrigues.
O conselheiro da OAB-RS e professor de Direito Penal da Pucrs Rafael Canterje esclarece que o conselho quer a exclusão dos advogados. “Vamos cumprir o Estatuto da Advocacia, que prevê o sigilo profissional. A lei é inconstitucional”, sentencia Canterje, elencando que a reserva serve para proteger o cidadão. “O advogado, dentro do seu escritório, deve manter sigilo, mesmo que o cliente abra mão.” A nova regra não chega a citar o ofício do conselheiro, mas indiretamente acabou atingindo por incluir assessorias e auditorias, tarefas cada vez mais desempenhadas pelo ramo jurídico. Além disso, Canterje opõe-se ao fim de crimes antecedentes para configurar a lavagem, ao conceito de infração penal (que passa a considerar crime e contravenção) e o grau da pena (três a dez anos), acima do delito que gerou o dinheiro obtido ilicitamente. “É uma desproporção entre o crime que sujou e o que limpou”, contrasta.   
Já o ramo dos contadores, que entra no mesmo rol dos demais segmentos que se dedicam a auditorias e consultorias, ou simples assessorias técnicas, aguarda uma negociação com o conselho de controle para amenizar o alcance da regra. “A lei tem assustado bastante ao impor uma responsabilidade que tem de ser seguida à risca”, observa o vice-presidente de gestão do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-RS), Antonio Carlos de Castro Palácios. A intenção é de detalhar a que tipo de situação terá de ser fornecida informação. “Queremos fazer composição amigável antes de acionar medida judicial”, adianta Palácios. O temor do segmento é de que um contador que fez um trabalho a um cliente que entrou na mira da investigação por lavagem acabe sendo incriminado. 

Lei abriu canais para fiscalização e punição


A procuradora Carla defende os avanços da nova legislação. ANTONIO PAZ/JC
Há grande expectativa sobre o efeito das novas regras para reduzir o volume de dinheiro que escoa no ralo da lavanderia criminosa. Judiciário, Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF) projetam maior reforço na qualificação de quem apura as ramificações da infração, aposta na colaboração dos novos segmentos listados para prestar informações preventivas e na popularização do combate ao crime a partir da vitrine do mensalão. A procuradora regional da República do Ministério Público Federal (MPF) da 4ª Região, sediada em Porto Alegre, Carla Verissimo de Carli, avisa: vamos ter mais lavagem.
O que Carla quer dizer é que a conduta ilegal passa a ter reconhecimento, que antes era dificultado por exigências de delitos anteriores. “Para existir crime, é preciso ter lei que diga. A lavagem é antiga e sempre foi usada para se livrar de bens obtidos de forma ilícita”, esmiúça a procuradora, representante do MPF na Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla). “A retirada do rol de crimes antecedentes atendeu a recomendações internacionais”, atenta o juiz José Paulo Baltazar Junior, titular da vara federal especializada em Porto Alegre e um dos maiores conhecedores dos delitos nesta área no País. Com isso, as duas autoridades tentam esvaziar a tese de OAB e CNPL sobre inconstitucionalidades.
A reação dos profissionais ante a quebra de sigilo também é minimizada. Carla separa o que é o trabalho do advogado da consultoria ou assessoria. “Os setores podem cooperar, não deixarão de atuar. Interessa o que não é normal do dia a dia.” O Brasil quase entrou na lista negra de países que desrespeitam diretrizes internacionais, mas não escapou de receber um puxão de orelha. O relatório do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (FATF-Gafi), de 2010 e do qual a procuradora participou, emitiu 40 pontos a melhorar e uma constatação. “O País tem baixo número de condenações finais, o que tem relação com o sistema judicial.” Estima-se em cerca de 30 condenados com trânsito em julgado (quando não é mais possível recorrer). O julgamento do mensalão no STF é encarado como um paradigma, que poderá consolidar outros casos.
O juiz federal também releva o sequestro de bens e valores, enquanto tramita o processo. Baltazar opina que a prisão como punição prevista no Direito Penal não seria tão efetiva contra autores da lavagem. “Faz sentido colocar na cadeia quem não cometeu crime violento?” A procuradora sugere que tirar o dinheiro que mantém o crime seria um remédio para minar a organização.
Em recente evento promovido pela OAB-RS, o delegado substituto da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvios de Recursos Públicos (Delefin) da PF gaúcha, Sergio Eduardo Busato, ouviu quieto a crítica da exigência de informações ditas sigilosas. “Querem tirar o que é o melhor da lei”, reagiu Busato. Outra vantagem da nova regra foi abrir a porta a informações, sem pedir licença judicial prévia, de contas telefônicas, provedores de internet, cartões de crédito e outras movimentações financeiras. “Ganhamos tempo. Até porque estes dados são vendidos em qualquer lugar”, reforça o titular da Delefin, José Mauro Pinto Nunes, que garante ter estrutura de investigação para usar ao máximo os dispositivos da lei.
Busato observa que a sonegação fiscal deverá ser um dos principais canais para apurar o delito. O superintendente da Receita Federal no Estado, Paulo Renato Silva da Paz, informa que qualquer movimentação incompatível, o que inclui pessoa física, será comunicada ao MPF. “Toda empresa que contabiliza o dinheiro sonegado ou obtido de outras fontes, como descaminho, tem vantagem sobre outra. Isso prejudica a livre concorrência”, atenta o delegado substituto. Mais que monitorar e controlar o recurso que deixa rastro - conceito de transação financeira - a PF agora poderá seguir valores invisíveis, ou que se materializam em imóveis em nome de amantes, laranjas ou empresas abertas pelos autores do crime. “Mas uma lei é cultural. Se houver fiscalização, funcionará”, condiciona o chefe substituto da delegacia especializada.
Fonte: Journal do Comércio.


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